O pensamento cristão é atacado por todos os lados. Niilistas de um lado, cientificistas de outro. Um dia algum defensor do movimento LGBT critica as escolhas morais de um cristão. No outro, um ateu escreve um texto tentando demonstrar a falta de plausibilidade da existência de Deus.
A grande pergunta é: será que, de fato, o cristianismo é tão frágil naquilo que propõe? Será que seus pressupostos de criação do universo, de uma moral dada por Deus, de um homem pecador, da necessidade da cruz, entre outras afirmações, são tão destoantes da realidade?
São reflexões que muitas vezes um cristão pode se fazer consigo mesmo. “Será que o outro está certo e eu errado?”
Mas não é possível esquecer de um detalhe: embora, de fato, cremos que existem verdades e valores que estão além de nossas mentes, ou seja, que nos é dado e não criado por nós; não podemos nos esquecer que existe uma interpretação pessoal no processo.
Isso faz com que nosso coração – nossa individualidade – possa estar mais aberto a aceitar algumas ideias do que outras. Isso inclui a preferir o erro diante do real.
Levando isso em conta, podemos inverter um pouco o pensamento.Talvez o grande problema não está no pensamento cristão, por mais paradoxal que ele possa ser às vezes. Mas naquele que o rejeita. Para entendermos melhor a ideia, vamos ver um trecho do livro Desespero Humano [ou Doença até a morte] de Søren Kierkegaard:
“[…]ordinariamente, os homens estão longe de considerar como supremo bem a relação com a verdade, a sua relação pessoal com a verdade, como estão longe de concordar com Sócrates em que a pior das infelicidades é estar em erro; neles, a maior parte das vezes, o sentido têm mais força do que a intelectualidade. Quase sempre, quando alguém se julga feliz e se envaidece com sê-lo, ao passo que à luz da verdade é um infeliz, está a cem léguas de desejar que o tirem do seu erro. […] Pois que lhe importa viver no erro, logo que construa o seu sistema…com a ajuda desse erro.”
Aceitar a verdade cristã traz junto consigo uma realidade da qual muitas pessoas fogem. Ninguém naturalmente deseja se perceber como pecador diante de Deus. Ninguém quer abandonar as práticas maldosas. Ninguém quer receber ordem de outro, nem mesmo se o outro for o próprio Deus.
Não é possível ser ingênuo a ponto de pensar que existe um viés puramente intelectual na rejeição ao cristianismo.
Existe um amor pelo erro. Não pelo erro enquanto erro, mas pelo que ele pode proporcionar à pessoa. Se aceito a verdade do cristianismo, todas as coisas que ele afirma vêm junto. Isso significa um abandono dos pecados. Uma vida de humildade diante de Deus e dos homens. Mas quem é que busca de fato isso? (Rm 3:10-12).
Em João 3, pouco depois do famoso versículo 16, temos a seguinte:
Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por meio dele.
João 3:17-21 (NVI)
Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do Filho Unigênito de Deus.
Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más.
Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, temendo que as suas obras sejam manifestas.
Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se veja claramente que as suas obras são realizadas por intermédio de Deus”.
É impossível desvencilhar o conhecimento de Deus da prática moral. Se reconheço a existência de Deus, todas as implicações de uma vida reta diante dEle vêm junto.
A solução diante disso não é um bom conhecimento apologético ou uma boa retórica, embora essas coisas possam ser importantes. De acordo com Pascal [Pensamentos, 45-83]:
“O homem nada mais é que um ser tão naturalmente cheio de erros que isso somente pode ser erradicado por meio da graça. Não há nada a lhe mostrar a verdade, pois tudo o ludibria. Os assim denominados dois princípios da verdade – razão e sentidos – não são apenas falsos, mas estão empenhados em mútuo engano. Através das aparências falsas, os sentidos enganam a razão, e assim como enganam a alma, elas são, por seu turno, enganadas por esta última. Os sentidos são influenciados pelas paixões que produzem falsas impressões.”
Enquanto a graça não iluminar os olhares, os sentidos e a razão serão levadas pela cegueira de um coração distante da verdade. Conforme diz Kierkegaard, até mesmo sistemas filosóficos podem ser criados para embasar um pensamento distante de Deus. É uma fuga de se colocar na situação de pecador diante de Deus.
Mas um cego não cura si próprio. Assim, vemos nos Evangelhos que é Cristo quem os faz voltar a enxergar. É a luz que dissipa a escuridão.
O conhecimento da verdade última não vem de um ato racional feito pelos filósofos ou de uma descoberta astronômica feita por um cientista, embora elas tenham seu valor. Mas vem de do grito pela fé, semelhante ao do cego Bartimeu: “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim” (Mc 10:47)
Diante disso, algumas considerações importantes:
- Não podemos nos esquecer da situação em que a outra pessoa pode se encontrar. Não adianta xingarmos ou nos irar com alguém que não enxerga a verdade. O problema não é puramente intelectual, mas espiritual. Lembre-se que, se não fosse a obra divina, você provavelmente estaria pior que ela.
- Isso não significa que não podem existir verdades em suas ideias. Toda verdade, independente de quem profere, é uma verdade divina. Um cientista ateu pode descobrir diversas coisas sobre o Universo que Deus criou. Isso não valida seu ateísmo, mas não descarta sua descoberta.
- A única forma de conhecerem a Deus verdadeiramente é por meio de Cristo. A verdade cristã não fica presa em proposições, mas é uma pessoa. Uma pessoa que, por sua obra, nos redime diante de Deus.