Todas as religiões e filosofias do mundo concordam que algo está errado conosco. Nós somos envolvidos por dor e sofrimento, fraqueza, pobreza, fraqueza moral e maldade. Mas entre essas filosofias e religiões, existem dois diagnósticos distintos do nosso problema, e dois remédios diferentes e opostos. Como coloca Cornelius Van Til, um diagnóstico/remédio é metafísico, o outro ético. Dois Evangelhos diferentes.
O diagnóstico metafísico põe a culpa da nossa difícil situação em nossa natureza metafísica. Nesta perspectiva, as coisas más da vida acontecem porque somos finitos. E a única forma de escapar do sofrimento é ganhar um novo status metafísico. Nós devemos transcender nossa finitude para nos tornarmos infinitos, de acordo com os gnósticos e os gregos. De acordo com os budistas, nós devemos escapar do ser por si mesmo e entrar no Nirvana, o qual é uma forma de “não ser”. Os gnósticos prescreveram vários exercícios, incluindo o conhecimento e as boas obras, os quais eventualmente nos levariam a uma união com o absoluto. Vários tipos de misticismo apresentaram meditação como cura, uma forma de transcender esta existência e se tornar um com o infinito.
O diagnóstico ético é bastante diferente. No entendimento ético, os sofrimentos deste mundo tem sua origem em nossa rebelião pessoal. ser pessoal que criou ao mundo e a nós mesmos nos mandou obedecê-lo, e nós recusamos. A tristeza desta vida em parte é punição, em parte é uma motivação visando o arrependimento, em parte um lembrete de que Deus manda no mundo, não nós mesmos. Mas aquele Deus pessoal mandou seu Filho como sacrifício, para que todo aquele que nEle crer possa andar com Ele em alegria nesta vida, e viver com Ele em um novo céu e uma nova terra por toda eternidade. O problema, então, não é a finitude, mas o pecado. E o remédio para nós não é subir com nossos próprios esforços para um status metafísico maior. O remédio é ser reconciliado com Deus e aceitar sua reestruturação de nossa relação pessoal, pelo sacrifício de Seu Filho e a vida ressurreta de Seu Filho habitando em nós por Seu Espírito.
Salvação metafísica é impessoal; salvação ética é totalmente pessoal.
JOHN FRAME
Salvação metafísica é impessoal; salvação ética é totalmente pessoal.
A filosofia grega advoga diversas formas de salvação metafísica. Parmênides nos incita a repensar tudo, para que pudéssemos aceitar o sofrimento do mundo como ilusão. Platão reconheceu que o mundo do sofrimento tinha um tipo de ser sombrio, mas, comparado ao mundo das Formas, era irreal, e que precisamos entrar neste mundo superior de alguma forma. Plotino transformou a dicotomia platônica em um contínuo, e ensinou que a salvação vem por uma união mística com o Uno, um ser que não pode ser descrito na linguagem humana.
A Bíblia rejeita qualquer esquema assim. Sua mensagem é totalmente pessoal: arrependa-se dos seus pecados e creia em Cristo. Mas alguns teólogos da igreja primitiva sentiram que eles precisavam combinar o Evangelho com a forma metafísica de salvação. Eles eram enfaticamente comprometidos com Evangelho pessoal da Bíblia. Mas eles pensaram que era importante um esforço conjunto com os mais respeitados dos pensadores antigos. Então Justino Mártir, que amou Jesus a ponto de morrer por sua fé, às vezes se referia a Deus como “Ser”, em termos impessoais. Usando uma dúbia interpretação de Êxodo 3:14, muitos teólogos começaram a pensar em Deus como Aristóteles fez, como o “puro ato de ser”, sem entenderem o quanto eles estavam cedendo para uma visão de mundo impessoal. Aquino trabalhou em um sistema intelectual muito impressionante que procurou fazer justiça tanto à pessoalidade bíblica quanto à impessoalidade grega.
Mas os reformadores não aceitariam isso. Uma forma de entender Lutero e Calvino é notando o quão pessoalista suas pregações eram. Existia pouco, se é que existia algo, em sua teologia que lembrava a doutrina escolástica de Deus. Ao invés disso, eles viram Deus como pessoal – tri-pessoal – regente dos céus e da terra, o soberano Senhor das Escrituras. Enquanto o Catolicismo medieval tendeu a ver a Graça de Deus como uma forma de substância, gotejando de Deus sobre o Papa e aos Bispos e – por meio dos sacramentos – para o crente individual, os reformadores viram-se pessoalmente diante do trono de Deus, em sua presença, coram deo. Como o coletor de impostos na parábola de Jesus, eles oraram: “Jesus, seja misericordioso comigo, um pecador”; e eles foram justificados, perdoados e enviados ao mundo para trazer outros.
Em nossa disputa atual dentro do evangelicalismo sobre Tomismo/Escolasticismo, é este o problema. Nós somos salvos transcendendo nossa finitude e aceitando uma existência dentro da essência divina? Ou nós somos salvos mantendo nossa individualidade e pessoalidade e vindo diante do Deus vivo e pessoal, implorando por sua misericórdia em Cristo?
A Bíblia ensina que Deus é simples, imutável, eterno e triuno. Mas ela descreve essas qualidade para um Deus pessoal que interage com os seres humanos na história da redenção. Essa é a metafísica do que eu tenho chamado de “pessoalismo bíblico”. E nossa salvação não vem da nossa mudança de status metafísico (como se nosso pecado fizesse parte de nossa natureza), mas entrando em uma aliança pessoal com o Senhor Deus em Jesus Cristo.